Após alguns anos de treinamento ele resolveu que queria ensinar as pessoas e me convidou para ser o seu 1° aluno. Convite esse que aceitei prontamente. No começo éramos só eu e meu irmão e treinávamos em um pequeno quintal nos fundos da nossa residência.

Foram tempos de ensinamentos e treinamentos intensos , na época , meados dos anos 80 eu trabalhava e estudava , então só podia me dedicar aos treinamentos aos Sábados e as vezes aos Domingos também.

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Mesmo com toda a falta de tempo devido ao trabalho e estudos,  Si-Fu Flávio utilizava seu tempo  livre nos finais de semana para se dedicar aos treinamentos. Já naquela época mostrava sua disciplina e determinação para alcançar seus objetivos na arte marcial.

- O mestre Gilmar Dantas exigia o máximo, pois precisávamos compensar a falta de aulas durante a semana. Somente nos meses de férias escolares é que conseguíamos também treinar durante os dias da semana a noite.
Lembro-me  que nos sábados eram de 5 a 6 horas continuas de treinamento englobando aprendizado de técnicas , condicionamento físico e lutas. Muito exaustivo mas também muito gratificante saber onde podíamos chegar com nossa evolução física e técnica. Não posso negar que por vezes pensei em desistir mas os frutos colhidos pelo esforço eram a motivação para perseverar e se superar cada vez mais .

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Após um período de treinos intensos o resultado físico e mental já eram bem evidentes e isso despertava a curiosidade de amigos e familiares.

- Nesta época ainda estudante tinha um grupo de amigos que começaram a notar meu desenvolvimento físico e emocional. Me questionavam sempre sobre como eu conseguia ser tão equilibrado e estar sempre em ótima forma. Por insistência deles,  os levei a minha casa para assistirem aos treinamentos. Ao fazerem uma aula teste todos ficavam impressionados com o treinamento físico e as técnicas muito praticas e eficientes de defesa pessoal. A noticia foi se espalhando pela vizinhança e logo o nosso espaço ficou pequeno para os alunos matriculados.

Nós não tínhamos nenhuma infraestrutura para treinamento marcial , pois eram aulas em um espaço bem reduzido como já disse,  no fundo do quintal da minha casa e ao ar livre. Estávamos sujeitos a chuva, sol , frio e calor. Lembro-me de as vezes treinar com dois uniformes um sobre o outro e mais agasalhos para sustentar o frio. Mesmo com tudo isso meus amigos se matricularam  para aprender aquele conhecimento tão milenar. Foram tempos gratificantes. Treinávamos com amor , disciplina e companheirismo em prol da arte marcial.

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Mestre Gilmar Dantas sempre teve uma visão mais ampla sobre o kung fu e as artes marciais em geral. Para ele não deve existir preconceito com estilo A ou B. O que importa de fato é a eficácia das técnicas durante uma luta com um oponente também treinado em artes marciais.  Utilizar técnicas marciais em uma pessoa leiga, é muito fácil e eficiente. A questão é utilizar técnica e ser eficiente contra um outro lutador preparado. 

Acho que ele queria provar que sua técnica e estilo eram bons. Mestre Gilmar habitualmente não fazia isso com visitantes, mas como o Ubirajara insistia muito e por ser já experiente,  o mestre Gilmar resolveu fazer uma  luta com ele para avalia-lo melhor.

No entanto  com poucos segundos de luta o Ubirajara levou  um forte golpe aplicado de mão aberta (técnica de palma) na base da mandíbula , e a luta precisou parar imediatamente . Terminamos a aula cada um foi para suas casas. Eu e meu irmão pensamos que o Ubirajara (depois apelidado de BIRA) , nunca mais voltaria, pois notamos que o golpe havia provocado uma luxação mais seria na mandíbula. Ficamos tristes porque ele demonstrou ser muito guerreiro na luta e nos treinamentos durante a aula. Quanta surpresa a nossa, quando duas semanas depois, já recuperado da luxação, ele apareceu animadíssimo para o treinamento.  O engraçado foi quando o mestre Gilmar perguntou se ele estava bem e disse também que tínhamos ficado preocupados com ele. O Bira respondeu:

-De fato foi forte a pancada. Tive um deslocamento da mandíbula. E precisei tomar sopa de canudinho.

E achava graça da própria situação.

Complementando disse ainda:

-Nossa! Eu quero aprender isso. Já treino e luto há um bom tempo e com um simples golpe fui liquidado em poucos segundos. Já fui na minha antiga academia e cancelei minha matricula. Esse aqui é o meu lugar quero aprender tudo.

E então iniciamos uma grande amizade que perdura até os dias de hoje. Infelizmente o Bira parou de treinar após uns 6 ou 7 anos com a gente. Mas ele conseguiu uma graduação avançada no sistema da Pak, a camisa marrom. Se tornou um excelente lutador e foi um grande companheiro meu nesses anos todos que treinamos juntos.

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Si-fu Flávio e Si-Pak Ubirajara marcaram toda uma geração de alunos na academia durante essa época. Alunos extremamente dedicados e disciplinados, chegaram nos limites do desenvolvimento físico e técnico mostrando que de fato haviam absorvido muito bem os ensinamentos de Mestre Gilmar e a metodologia desenvolvida na Pak.

Decidiu então que deveria ter um local mais apropriado e conseguiu uma academia onde começou a ensinar o seu método desenvolvido, mas mantendo também o conteúdo tradicional do estilo shao lin do norte.

Sendo eu o aluno mais antigo e irmão do mestre , sempre me senti na obrigação de servir de exemplo aos outros. Treinando com garra, determinação e disciplina. Já adquiri muitos conhecimentos passados por mestre Gilmar. Por isso sempre contribuo ajudando-o os mais novos nas aulas. Com disciplina e dedicação aprendi muito dos princípios da arte marcial e continuo aprendendo até os dias de hoje. Gosto de compartilhar este legado tão importante em minha vida.

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Constantemente nos finais  de semana Si-Fu Flavio, Si-Pak Bira, Wanderlei (o gordo) e mestre Gilmar, costumavam assistir filmes de kung fu no cinema ou em casa. O aluno Wanderlei tinha uma grande coleção desses filmes gravados em fitas VHF. E todos adoravam passar o tempo livre assistindo esses filmes.

- Eu me lembro que na década de 80 havia muita empolgação e divulgação das artes marciais em especial kung fu que estava muito em moda nesta época nos cinemas. Varias emissoras de TV apresentavam  também filmes e documentários a respeito desta arte milenar tão famosa. Bruce Lee era o grande símbolo para os praticantes das artes marciais em geral. Muitas vezes após assistir a esses filmes ficávamos discutindo se tal técnica vista funcionaria de verdade numa luta pra valer. O interessante é que muitas delas funcionavam bem.

(Biograf. de Si-fu Flávio - Arquivos da Assoc. Pak Shao Lin)

Ao mesmo tempo que o kung fu tornava-se cada vez mais popular devido a grande exposição nas mídias, havia também a curiosidade de outros lutadores de outras artes marciais,  querendo testar suas habilidades marciais contra um oponente do kung fu.

Hoje com nossa maturidade, com certeza não teriamos esta atitude de aceitar esses tipos de desafios,  pois fere o principio básico das artes marciais, que é o uso da mesma somente para a defesa pessoal.  Mesmo porque, hoje em dia temos também muitos bons campeonatos para esse tipo de teste.

Mas sempre tirávamos um ensinamento de cada situação destas , e como o estilo ensinado por mestre Gilmar sempre se mostrou muito eficiente nestes desafios,  tive muito mais experiências positivas do que negativas.

Com adversários de variados estilos, pude sempre me sentir seguro para enfrentar as mais difíceis situações nas lutas. É interessante observar como um lutador confiante do seu potencial se torna também confiante  para lidar com as situações e os problemas do dia a dia .

-Foi realmente uma fase terrível em minha vida com todos esses problemas pessoais e de saúde , os quais quase me fizeram abandonar de vez a academia e os treinamento que tanto amo.  Mas com ensinamentos, treinos , força de vontade e apoio do Mestre Gilmar e de grandes amigos de longa data, como: Si-fu Robson Nobre , Si-fu Willians Correia, Si-pak Mario Cavaline , Ubirajara, superei essa fase ruim e me mantive nesse caminho importante que escolhi trilhar em minha vida. Não poderia deixar de mencionar também outros amigos alunos mais novos, que também servem de incentivo para os mais antigos como eu. Sempre honrando o nome da instituição PAK SHAO LIN e buscando o desenvolvimento físico, mental e espiritual.

Depois de passada essa fase ruim era hora de levantar a cabeça e seguir em frente pois precisava dar um passo muito importante na minha trajetória marcial. Finalmente no ano de 2004 dei esse grande passo e consegui minha graduação de camisa preta e também o titulo de Si-fu. Tudo em conformidade com as exigentes normas e regulamentos da Associação Pak. Os exames para a obtenção da camisa preta são muito difíceis, pois na Pak ninguém consegue essa graduação se não for atleta de nível bom para cima. Tem que lutar muito bem (vários estilos), ter um excelente preparo físico, técnico e dominar muito bem as 25 formas (katis) que são obrigatórias para esse exame. Foi um grande dia para mim e também para meu grande amigo Si-fu Willians Correia, pois conquistamos nossas graduações juntos. A Associação Pak preparou uma grande festa para celebrar o 20º aniversário e também nossas formaturas.

Arquivos da Associação Pak Shao Lin de Kung Fu - Setembro de 2011